A BATALHA SILENCIOSA ENTRE O MAGISTRADO MAIS TEMIDO DO BRASIL E O HOMEM QUE CONTROLA O MAIOR PARTIDO DO PAÍS: QUEM SAIRÁ VENCEDOR DESTA DISPUTA?
Em um movimento que poucos observadores previram, o ministro Alexandre de Moraes sacudiu o tabuleiro político brasileiro neste final de março. Utilizando a recém-aprovada mudança jurisprudencial sobre foro privilegiado, o magistrado determinou que um inquérito contra Gilberto Kassab por corrupção passiva, caixa dois e lavagem de dinheiro, que o próprio Moraes havia enviado à Justiça Eleitoral em 2019, retornasse ao Supremo Tribunal Federal (STF) sob sua relatoria. O timing é revelador: a decisão ocorre exatamente quando Kassab, presidente do PSD, começa a demonstrar simpatia pelo controverso projeto de anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023, tema que poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A mensagem subliminar não poderia ser mais clara: quem ousa desafiar as condenações do STF pode sofrer consequências inesperadas. Um recado particularmente potente quando dirigido ao líder do partido que conquistou 887 prefeituras na última eleição municipal, desbancando o MDB pela primeira vez desde a redemocratização, e que possui a maior bancada no Senado, justamente o local que tramitaria qualquer proposta de anistia. A jogada de Moraes expõe as engrenagens nem sempre visíveis de um sistema no qual o jurídico e o político se entrelaçam de maneira quase indissociável.
A ESTRATÉGIA DE MORAES: QUANDO UM PROCESSO SE TORNA UMA ARMA POLÍTICA
Alexandre de Moraes não move suas peças sem calcular várias jogadas à frente. Em 19 de março, apenas uma semana após o STF aprovar uma nova tese sobre foro privilegiado, o ministro determinou o retorno ao Supremo do processo contra Kassab que investigava supostos pagamentos de R$ 58 milhões da J&F. A decisão apoia-se na interpretação recém-aprovada pelo tribunal: o foro privilegiado agora persiste mesmo após o ocupante deixar o cargo, desde que o crime tenha ocorrido durante e em razão do exercício da função.
Esta movimentação processual é como um pescador que lança sua rede em águas aparentemente tranquilas, sabendo exatamente o local que encontrará os peixes mais valiosos. O recado é claro para todos os atores políticos que pretendem apoiar a anistia: existem processos que podem ser “resgatados” a qualquer momento.
“Com o trânsito em julgado, considerada a alteração jurisprudencial, ficará agora arquivado no STF e não mais na Justiça Eleitoral”, argumenta o advogado de Kassab, Pierpaolo Cruz Bottini, que já adiantou que pedirá o arquivamento do caso. Uma demonstração de confiança que esconde a preocupação com os possíveis desdobramentos políticos da decisão.
Para compreender a habilidade estratégica de Moraes, é preciso lembrar que ele mesmo havia enviado este processo para a Justiça Eleitoral em 2019, quando reconheceu a “perda superveniente de competência” do STF porque Kassab deixara o Ministério da Ciência e Tecnologia no governo Temer. A denúncia foi aceita em 2021, tornando Kassab réu. Agora, o ministro recupera o processo para sua alçada, numa demonstração clara de que as regras do jogo podem mudar conforme a conveniência do momento.
O movimento ocorre justamente quando Kassab “tem protagonizado um movimento que incomoda Moraes, o projeto de anistia para os participantes do 8 de janeiro de 2023, que, se aprovado no Congresso, poderá beneficiar Jair Bolsonaro”, como aponta reportagem recente. A sincronia entre a articulação de Kassab em favor da anistia e a decisão de Moraes dificilmente pode ser considerada coincidência.
KASSAB: O MAESTRO DISCRETO DA POLÍTICA BRASILEIRA
Para entender o impacto desta disputa, é fundamental dimensionar o real poder de Gilberto Kassab no cenário político nacional. Em quase quatro décadas de vida pública, Kassab ocupou cargos como vereador, deputado, prefeito de São Paulo e ministro em diferentes governos, mas “sempre mostrou gosto mesmo foi pela atividade partidária”. Em 2011, fundou o PSD, partido que ele definiu como “nem de direita, nem de esquerda e nem de centro”.
Essa ambiguidade ideológica, que irritava puristas, transformou-se na maior força da legenda. Nas eleições municipais de 2024, o PSD conquistou um feito histórico: desbancou o MDB e se tornou o partido com mais prefeituras do país, elegendo 877 prefeitos. Este número não é apenas uma estatística, é a expressão concreta de um poder capilarizado que poucos conseguiram construir na política brasileira.
“Conhecido por ‘jogar escondendo o jogo’, Kassab usa e abusa da estratégia de se mover nos bastidores com habilidade, o que fez dele um dos mais influentes caciques da política brasileira”, descreve reportagem recente da revista Veja. Sua capacidade de articulação é tão respeitada que até adversários reconhecem sua maestria no tabuleiro político.
O crescimento do PSD sob o comando de Kassab se assemelha a um vírus inteligente que se adapta constantemente ao sistema imunológico político brasileiro, encontrando sempre formas de proliferar independentemente das mudanças no ambiente. Essa capacidade de adaptação garantiu ao partido sobreviver e prosperar em um cenário que tantas legendas desapareceram ou se tornaram irrelevantes.
Hoje, o PSD possui a maior bancada do Senado, casa legislativa que tramitaria qualquer projeto de anistia e também qualquer pedido de impeachment contra ministros do STF. A maioria dos senadores do partido não assinou o pedido de abertura de processo contra Moraes, o que indica uma posição mais alinhada ao Supremo. No entanto, esta posição pode mudar com a pressão de setores da base do partido, especialmente em um momento em que deputados do PL, partido do Bolsonaro, têm atacado o PSD pedindo que eleitores de direita não votem em seus candidatos.
A ANISTIA: UMA BOMBA-RELÓGIO NO CAMINHO DE 2026
O projeto de anistia tornou-se o ponto central de uma disputa que vai muito além do perdão aos manifestantes presos. É um símbolo da polarização brasileira e, mais importante, um potencial divisor de águas para as eleições presidenciais de 2026.
Os números das pesquisas são contundentes: segundo o Datafolha de março, 63% dos brasileiros são contra a anistia aos responsáveis pelos ataques de 8 de janeiro, enquanto apenas 31% são favoráveis. Uma pesquisa anterior do PoderData mostrava números um pouco menos expressivos, mas na mesma direção: 51% contra e 37% a favor. Esses dados revelam uma sociedade ainda dividida, embora com clara maioria contrária ao perdão.
O ex-presidente Jair Bolsonaro pediu explicitamente o apoio de deputados e senadores a um projeto de anistia para os presos pelos ataques aos Três Poderes: “É por parte do Parlamento brasileiro, é uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos”. O discurso sentimental esconde a verdadeira motivação política.
A anistia poderia criar um precedente jurídico favorável ao próprio Bolsonaro, hoje inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além da inelegibilidade já confirmada, o ex-presidente é investigado por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, sendo um dos denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por estimular e realizar atos contra os Três Poderes e contra o Estado Democrático de Direito. A verdadeira batalha não é pelos presos, mas pelo futuro político de Bolsonaro, seria esta uma das questões do projeto da anistia?
Não por acaso, pesquisas recentes de intenção de voto para 2026 já trabalham com cenários com e sem Bolsonaro. Michelle Bolsonaro aparece como a candidata da direita com melhor desempenho (20,5% segundo CNT/MDA) na ausência do marido, embora ainda bem atrás de Lula (34,1%). Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e aliado de Kassab, também figura como possível candidato, tendo inclusive já avisado “aliados que aceita disputar o Planalto em 2026 se Bolsonaro quiser”.

A PRESSÃO SOBRE KASSAB: CÁLCULO POLÍTICO OU PERSEGUIÇÃO?
A recuperação do processo contra Kassab por Moraes coloca o presidente do PSD em uma posição extremamente delicada. Se ceder à pressão implícita e trabalhar contra a anistia, poderá alienar uma parcela significativa do eleitorado conservador que apoia seu partido, além de comprometer alianças importantes, como com o governador Tarcísio de Freitas, que mantém laços com Bolsonaro. Se mantiver seu apoio ao projeto, arrisca-se a enfrentar o poder do STF, com consequências potencialmente graves para seu futuro político e jurídico.
Como um equilibrista em uma corda bamba sobre um abismo, Kassab precisa calcular cada passo com extrema precisão. Um movimento em falso pode significar sua queda política. Esta situação exemplifica perfeitamente o dilema que muitos políticos brasileiros enfrentam hoje: como navegar em um sistema onde as regras do jogo parecem mudar conforme os interesses em disputa?
O advogado de Kassab já sinalizou que pedirá o arquivamento do caso, classificando o despacho de Moraes como um “procedimento formal”. Se o ministro acatar o pedido, poderá parecer que a pressão não produziu o efeito desejado. Se negar, confirmará as suspeitas de uso político do judiciário. É uma situação que até a decisão processual mais técnica será inevitavelmente lida em chave política.
O EQUILÍBRIO DE PODERES EM RISCO
CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM…
Q dilema 👏👏👏👏 obgda