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Colgate-Palmolive: o refúgio racional em meio à euforia da IA

O mercado americano vive um momento peculiar: o capital gravita em torno da inteligência artificial. O entusiasmo é visível nos valuations de empresas ligadas à infraestrutura de data centers, semicondutores e nuvem. Enquanto isso, nomes tradicionais — mesmo os que continuam entregando resultados sólidos — sofrem compressão de múltiplos. A Colgate-Palmolive (NYSE: CL) é um desses casos. Um negócio que nunca deixou de gerar lucro, caixa e dividendos, mas que o mercado escolheu ignorar por falta de narrativa tecnológica.

Essa desconexão criou uma janela de preço. Em outubro de 2025, Colgate negocia em torno de US$ 78 por ação, o que representa cerca de 20 a 21 vezes o lucro projetado — um dos múltiplos mais baixos da última década, bem abaixo da média histórica de 23 a 25 vezes. Nesse mesmo período, o lucro por ação cresceu mais de 40%.

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 Ou seja, o problema não está na empresa, mas na disposição do investidor de pagar menos por cada dólar de lucro justamente quando a operação está mais eficiente. Isso não é deterioração, é compressão de múltiplo.

A penalização tem duas origens. Primeiro, staples clássicas perderam atratividade num mercado dominado por narrativas de crescimento exponencial. Segundo, o ambiente de juros altos desincentiva o carregamento de empresas defensivas: se é possível ganhar 5% em caixa, por que pagar prêmio por um negócio que cresce 2% ao ano? A rotação de fluxo beneficiou tecnologia e drenou capital de consumo básico. 

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Colgate, que reduziu sua projeção de crescimento orgânico de 3–5% para 2–4% em 2025, foi uma das mais penalizadas. A empresa citou pressão de consumo, câmbio desfavorável e um impacto tarifário próximo de US$ 200 milhões.

O corte de guidance reforçou a narrativa de desaceleração, mas a leitura superficial ignora o que realmente importa: a disciplina operacional. No primeiro trimestre de 2025, a margem bruta subiu 80 pontos-base, atingindo 60,8%, mesmo com queda de volume e câmbio adverso. 

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O lucro por ação ajustado (US$ 0,91) superou as estimativas de Wall Street e o fluxo de caixa livre se manteve acima de US$ 600 milhões. 

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Mais relevante ainda, a Colgate aumentou investimento em marketing — hoje cerca de 13,5% das vendas —, protegendo suas marcas e defendendo preço em vez de buscar ganhos de curto prazo via corte de despesas. Essa combinação de eficiência e investimento reforça o caráter premium da companhia dentro do setor.

O mercado também subestima a força estrutural de Hill’s Pet Nutrition, que já responde por mais de 20% das vendas globais. O segmento cresce 8–10% ao ano e opera com margens acima de 25%, alavancado por produtos veterinários premium com alto valor agregado e baixa elasticidade de preço. Em 2025, a Colgate ampliou capacidade produtiva e investiu em novas fórmulas, consolidando posição num mercado que deve expandir cerca de 7% ao ano até 2030. Hill’s é o motor de margem do grupo e um dos principais diferenciais estratégicos entre Colgate e seus pares.

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O segundo pilar de crescimento são os mercados emergentes, responsáveis por quase metade da receita total. A empresa construiu presença de décadas na América Latina, Ásia e Índia, onde a penetração ainda é baixa. Na Índia, por exemplo, menos de metade da população escova os dentes diariamente, e apenas 20% das áreas urbanas têm hábito de escovação duas vezes ao dia. Isso cria um potencial de volume estrutural, sustentado por mudanças de hábito e pela expansão de produtos premium. O paralelo com a estratégia histórica da Coca-Cola é claro: ocupar primeiro, sofisticar depois.

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Com Hill’s como motor de margem e emergentes como motor de volume, a administração reforça que a desaceleração de 2025 é transitória. A meta permanece: retomar crescimento orgânico de 3–5% e expansão de lucro por ação em dígito alto a partir de 2026.

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 Analistas concordam. Robert Ottenstein, da Evercore ISI, mantém recomendação “Outperform” e preço-alvo de US$ 100, descrevendo a Colgate como uma das empresas de maior qualidade da cobertura, com gestão disciplinada, posições dominantes e exposição a categorias atraentes. O consenso de mercado situa o preço-alvo entre US$ 90 e US$ 100, implicando potencial de valorização de 15–20%.

A dinâmica de juros é o eixo macro que dá sustentação à tese. Colgate é um ativo de duração longa: seu valor está no fluxo de caixa que gera de forma previsível por décadas. Quando os Fed Funds permanecem altos, o investidor exige prêmio para carregar defensivos — daí a compressão de múltiplo. Quando o custo de capital recua, o denominador do valuation relaxa e o valor presente aumenta. Cada 100 pontos-base de queda no WACC tendem a elevar o preço justo em 10–15%. Essa reprecificação já foi observada em ciclos anteriores. Basta um corte inicial de juros para que staples de alta qualidade voltem a negociar próximos aos múltiplos médios de longo prazo. No caso de Colgate, isso significa sair de 20× lucro e retornar para a faixa de 23–24× — o que, mesmo sem aceleração de crescimento, coloca o papel entre US$ 90 e US$ 95, exatamente a zona neutra indicada pelos modelos de fluxo de caixa e pelos analistas sell side.

Os riscos permanecem, especialmente ligados ao consumo em EUA e América Latina, à volatilidade cambial e às tarifas. A própria empresa reconhece que o consumidor americano e latino está mais fraco e que parte dos custos adicionais não se dissipará tão cedo. Mas esses pontos já estão amplamente refletidos no preço. O cenário-base — margens acima de 60%, guidance estável e retomada gradual em 2026 — é suficiente para destravar valor. E o cenário mais otimista, com início de ciclo de cortes de juros, pode levar a Colgate de volta à zona de US$ 95–100.

O próximo ponto de inflexão é o resultado de 31 de outubro. Mais do que um “beat” pontual, o mercado buscará sinal de estabilidade: margens sustentadas, Hill’s crescendo em linha com 2024 e reafirmação das metas para 2026. Caso esses elementos se confirmem, o mercado tende a ajustar o múltiplo e antecipar a reprecificação.

Colgate não é um call de crescimento acelerado; é um call de racionalidade. É a aposta de que o mercado exagerou no pessimismo cíclico e oferece, neste momento, um ativo de altíssima previsibilidade a preço de desconto. “Buy the boredom” nunca soou tão literal: enquanto todos falam de chips e IA, a Colgate continua vendendo higiene bucal, ração veterinária e consistência operacional. E, em um mundo cada vez mais volátil, isso talvez seja o bem mais escasso do mercado.

Contribuidor

Escrito por Jean Botelho

Cirurgião de Formação.
Amante de mercados em geral, com foco no mercado Americano.

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