A análise intermarket é uma das ferramentas mais subestimadas por quem opera mercados financeiros, justamente porque ela não entrega respostas imediatas. Ela entrega algo mais profundo e estrutural: contexto. Antes de pensar em entrada, alvo ou stop, a análise intermarket responde a uma pergunta anterior e muito mais relevante. Este é um ambiente favorável para assumir risco?
Mercados não se movem de forma isolada. Ações, juros, moedas e commodities fazem parte de um mesmo sistema, conectado por fluxo de capital, liquidez e expectativas macroeconômicas. Quando um desses blocos se desloca, os demais tendem a reagir. Ignorar essa interdependência é analisar apenas o efeito final, não a causa.
É aqui que surge um ponto sensível, especialmente para quem vem da análise técnica clássica. Um dos pilares mais repetidos da AT é a ideia de que “o preço desconta tudo”. Esse princípio, amplamente difundido, sugere que toda informação relevante já estaria refletida no gráfico, tornando qualquer análise externa desnecessária. O problema é que, na prática, o preço desconta tudo apenas depois que o fluxo já aconteceu, não no momento em que ele começa a se formar.
Autores centrais da análise técnica moderna, como John Murphy e Martin Pring, nunca defenderam uma leitura tão simplificada do mercado. Pelo contrário. Em Intermarket Analysis, Murphy mostra de forma clara como ações, bonds, moedas e commodities se influenciam mutuamente ao longo do ciclo econômico. O livro deixa explícito que observar apenas o gráfico de um ativo é insuficiente para entender o movimento completo.
O mesmo raciocínio aparece em Technical Analysis of the Financial Markets. Apesar de ser considerado uma bíblia da análise técnica, a obra dedica capítulos inteiros à importância do ambiente macro, do comportamento dos juros e das correlações entre mercados. A mensagem é clara: o preço é fundamental, mas ele não existe fora de um contexto.
Martin Pring segue a mesma linha. Também, em Intermarket Analysis Explained, ele reforça que a análise intermarket não serve para timing preciso, mas para entender em que estágio do ciclo o mercado se encontra. Pring mostra que commodities, renda fixa e ações tendem a liderar ou atrasar em momentos distintos, e que reconhecer essa sequência aumenta drasticamente a qualidade das decisões.
Mesmo em obras voltadas à análise de tendência, os autores deixam claro que tendências não surgem no vácuo. Elas são consequência de forças econômicas, monetárias e de fluxo que se manifestam primeiro em outros mercados antes de aparecerem com clareza no preço do ativo analisado.
O paradoxo é que muitos seguidores da análise técnica absorveram apenas a parte operacional desses livros e deixaram de lado a mensagem mais ampla. O preço virou o único elemento relevante, enquanto o contexto foi tratado como ruído. Com isso, o princípio de que “o preço desconta tudo” passou a ser usado como justificativa para ignorar o ambiente em que o trade está inserido.
A análise intermarket não nega o preço. Ela o coloca em perspectiva. Em vez de perguntar apenas “o gráfico está bonito?”, a pergunta passa a ser “esse movimento faz sentido dentro do ambiente atual?”.
É uma mudança sutil, mas profunda.
Contexto de mercado não é narrativa solta nem opinião. Ele pode ser observado de forma objetiva. O comportamento da curva de juros revela o custo do dinheiro e a disposição ao risco. As moedas mostram para onde o capital global está fluindo. As commodities sinalizam expansão ou contração do ciclo econômico. A volatilidade indica se o mercado está em modo defensivo ou em busca de retorno. Quando esses elementos estão alinhados, o mercado tende a recompensar risco. Quando não estão, até os melhores setups sofrem.
É exatamente nesse ponto que trades alinhados ao contexto ganham vantagem estatística. Não porque garantem acerto, mas porque evitam lutar contra forças maiores. Traders que operam dessa forma entendem quando reduzir exposição, quando aceitar stops com naturalidade e quando simplesmente não operar. Eles erram dentro de um ambiente adverso, não por falha estrutural do método.
O preço continua sendo a variável final. Ele confirma ou invalida qualquer tese. Mas quem espera o preço “descontar tudo” sem olhar o contexto aceita sempre reagir, nunca se antecipar. A análise intermarket existe para reduzir essa defasagem.
No fim, o que Pring e Murphy sempre deixaram claro em suas obras é que mercado não é um ativo isolado, é um sistema.
Operar alinhado a esse sistema não elimina perdas, mas aumenta de forma consistente a probabilidade de sucesso.
E, em um mercado probabilístico, essa é a única vantagem que realmente importa no longo prazo.
Para quem vem de uma formação mais técnica e está acostumado a olhar essencialmente gráficos, a análise intermarket não exige uma mudança radical de abordagem. Ela exige camadas adicionais de leitura. Alguns pontos ajudam a fazer essa transição de forma objetiva e operacional.
O primeiro ponto é observar o comportamento relativo entre mercados, não apenas o movimento isolado do ativo. Antes de operar ações, por exemplo, vale acompanhar se a renda fixa está ganhando ou perdendo atratividade. Gráficos de índices tendem a sofrer quando os juros sobem de forma consistente, mesmo que o setup individual pareça bom.
O segundo ponto é acompanhar moedas como ativos de risco, e não apenas como câmbio. Um dólar forte ou fraco carrega informação sobre fluxo global. Para quem olha gráficos, isso significa cruzar o movimento do ativo com o movimento da moeda relacionada. Muitas vezes o gráfico “falha” porque o fluxo macro está indo na direção oposta.
O terceiro ponto é usar commodities como indicadores de ciclo, não como trades obrigatórios. Mesmo quem não opera commodities pode observá-las como gráficos de contexto. Minério, petróleo e metais industriais ajudam a identificar se o mercado está precificando expansão, desaceleração ou transição de ciclo. Isso altera diretamente a qualidade dos trades em ações e índices.
O quarto ponto é observar a volatilidade como regime de mercado. Gráficos funcionam melhor em ambientes de baixa volatilidade e tendência definida. Quando a volatilidade sobe de forma estrutural, padrões técnicos tendem a falhar mais. Incorporar volatilidade na leitura intermarket ajuda a entender quando reduzir mão ou evitar insistência.
O quinto ponto é entender que nem todo gráfico “bonito” merece ser operado. A análise intermarket funciona como um filtro de qualidade. Se o contexto macro, de juros, moeda e fluxo está desalinhado, o gráfico deixa de ser uma oportunidade e passa a ser apenas uma possibilidade técnica sem sustentação estatística.
Esses cinco pontos não substituem a análise técnica. Eles a fortalecem. O gráfico continua sendo o gatilho, mas o intermarket define se vale ou não apertar o gatilho.
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Obrigado,
João Ascoli





